quinta-feira, 16 de julho de 2015

Excesso de vontade ou falta de educação?

Excesso de vontade ou falta de educação?

Desrespeito de atletas do São Paulo levanta discussão a respeito da atitude dos jogadores com seus técnicos. Situação ocorre em diversos outros clubes


Os recentes desentendimentos entre o técnico do São Paulo, Juan Calos Osório, e atletas do elenco tricolor, levantaram uma discussão a respeito do comportamento de diversos atletas no futebol, em especial no brasileiro, sobre o excesso de vontade e falta de respeito e consideração com seus comandantes. Para analisar qual das opções é a correta, é preciso definir ambas nos termos desta discussão.

Segundo o que é dito por grande parte da imprensa e a maioria da torcida, o fato de um atleta reclamar por ser substituído ou por não ter sido relacionado para uma partida, indica o comprometimento ou uma vontade extrema de ajudar o clube e seus companheiros. Entretanto, esta mesma mídia não crê que os jogadores possam fazer corpo mole para derrubar treinador, e assim sendo, como exaltar toda essa vontade de um atleta, se todos aqueles em campo estão sujeitos a serem reservas e quando o são, não desrespeitam seu "professor"?

A entrega dos atletas em campo é definida por suas características desde quando começou no futebol

O excesso de vontade, portanto, não existe. Não importa o quanto tentem afirmar que Ralf, Gabriel ou Luis Fabiano tem muito mais vontade do que Alexandre Pato, Ganso ou Leandro, o que define a entrega destes atletas em campo não é essa gana de ajudar sua equipe e sim as características de cada atleta. Aquele que começou a sua carreira dando carrinho na lateral e vibrando com a torcida, que comprava briga com os adversários ou que ficava visivelmente irritado quando perdia o jogo, nem no seu último jogo irá sair de campo dando uma entrevista indiferente ao resultado de sua equipe ou deixando de se esforçar ao máximo. Não importa a posição em que atue ou o momento em que está na carreira, essas características nunca irão mudar.

Visto que esse mito do excesso de vontade não existe, já que a entrega em campo é definida pelas características de cada atleta e não se altera ao longo dos anos, a segunda opção parece ser, e no meu entender é mesmo, a alternativa mais provável e sensata. Neste caso, por que essa falta de educação e respeito com o treinador ocorre e o que ela acarreta?

Tomemos como exemplo o caso de Paulo Henrique Ganso, meia do São Paulo e Valdivia, ex jogador do Palmeiras. O primeiro, quando ainda estava no Santos, passou por uma polêmica na final do Campeonato Paulista de 2010 sob o comando do técnico Dorival Júnior. Na ocasião, o meia se recusou a deixar a equipe e ir para o banco de reservas quando o Peixe tinha oito homens em campo, o que fez com que Dorival optasse por tirar o atacante André. À época, a atitude foi festejada por torcida e boa parte dos críticos, mas isso só ocorreu porque o alvinegro se sagrou campeão naquele ano, já que se o título tivesse sido perdido, ambos, jogador e treinador, seriam responsabilizados.

Em 2010, ainda no Santos,  Ganso se recusou a sair na final do Campeonato Paulista

Em uma situação parecida, como a de domingo (12) no Morumbi, Ganso teve uma atitude contrária a anterior e que desta vez foi repreendida pela diretoria e torcida. Ao ser substituído na vitória por 3 a 1 frente ao Coritiba, Ganso ignorou o técnico Osório, que havia esticado a mão para cumprimentá-lo e ainda chutou um copo de água na saída do gramado.

Duas situações em que o jogador viveu grande pressão, nas duas iria ser substituído. Por que Ganso agiu contra o treinador, mas de formas diferentes? A explicação está no momento técnico do atleta. Durante o jogo de domingo, que bateu o recorde de público no Campeonato Brasileiro deste ano, com 59 mil pessoas, Paulo Henrique vinha sendo vaiado pela torcida e com a moral baixa, não poderia se recusar a sair, mas podia demonstrar sua insatisfação. Ou seja, a vontade não era maior do que em outros jogos, era a mesma, a diferença estava no momento técnico do atleta quando estava sob mais pressão.

Ganso não cumprimenta Osório e se irrita ao ser substituído

No caso de Valdivia, o chileno passou por situações semelhantes e em curto período de tempo. Antes de ir para a Copa América com a "Roja", o ex camisa 10 palmeirense atuou no clássico contra o Corinthians na Arena de Itaquera e ao ser substituído pelo então técnico Osvaldo de Oliveira, não cumprimentou o treinador, assim como fez Ganso com Osório. Depois do jogo, o Mago disse que não ouviu Osvaldo chamar pelo seu nome ou lhe esticar a mão, o que claramente se tratava de uma desculpa. Não por coincidência, Valdivia vinha tendo uma ótima atuação neste jogo depois de muito tempo parado por conta das lesões.

Poucos dias depois, já na seleção chilena e sob o comando de Jorge Sampaoli, Valdivia se irritou e xingou o treinador após ser substituído e deixar o gramado na final da Copa América, da qual o Chile se sagrou campeão. Novamente, dois momentos de tensão para o jogador que fazia sua última partida pelo Palmeiras e a final da Copa América, competição que o Chile nunca havia ganho, duas ótimas atuações tecnicamente e com a moral lá em cima, o jogador se sentiu no direito de desrespeitar seu comandante.

Valdivia ignora Oswaldo e fingi não ouvir o treinador

Portanto, não estando relacionada ao excesso de vontade, a falta de educação por parte de atletas para com seus treinadores, está intimamente ligada ao momento de pressão que o jogador está passando e o caráter do mesmo para lidar com ela. Se o jogador se sente em um bom momento técnico e tem em seu caráter a tendência a discordar de seu superior, ao passar por um grande estresse, tende a desrespeitá-lo.